quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Texto dos outros

Estive fora uns dias... e volto com uma postagem que não é minha. Fazer o que: aulas em Carangola e Muriaé, querendo estudar para um concurso que não sei se farei, corrigindo trabalho de curso de seis orientandos (fora as bancas), invejando o última postagem do Prof. Ramon no blog http://www.marmitafilosofica.blogspot.com/. Não é mole não, sô. Bem, segue um texto que recebi via e-mail, que tenta explicar como se governa nesse país.
Até!


UDN, PSD e PTB: com outros nomes, eles sobrevivem e disputam o poder no Brasil
publicada sexta, 21/08/2009 às 19:10 e atualizado sexta, 21/08/2009 às 20:19
http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/udn-psd-e-ptb-com-outros-nomes-eles-sobrevivem-e-disputam-o-poder-no-brasil
Os leitores mais novos devem me achar um "tiozinho" meio chato - por causa dessa mania de falar em UDN e Getúlio Vargas, como metáforas para pensar em Lula e na oposição demo-tucana.Mas vou correr o risco, e insistir no tema. Vargas reunia PTB e PSD para enfrentar os corvos; Lula precisa fazer o mesmo porque a UDN vem babandoInspirei-me num belíssimo comentário do leitor Fernando Trindade a meu último texto - sobre Marina, Gil e a hipocrisia da nova UDN - http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/gil-pra-marina-no-pv-ob-observando-hipocritas.Fernando disse: "(...) sem alianças Lula não teria sequer concluído o primeiro mandato. Esse foi o grande problema no pré-64 que levou ao golpe, o rompimento da aliança do PTB com o PSD. No Brasil, gostemos ou não, o centro fisiológico (que não é necessariamente corrupto, aliás) é o fiel da balança. Nos idos de 1963, quando o PSD passou para o lado da UDN, a esquerda ficou isolada e tivemos a tragédia do golpe. E o objetivo do PIG e seus aliados é exatamente descolar o centro fisiológico do Governo Lula para isolá-lo e derrotá-lo."Além de resumir bem a correlação de forças que levou ao golpe de 64 (não esqueçamos, claro, o peso da Guerra Fria e da CIA no episódio), o comentário fez-me concluir o seguinte: no Brasil continuam a existir só três partidos - UDN, PSD e PTB *.No pré-64, PTB e PSD jogavam juntos. A UDN, isolada (mas dominante nos grandes jornais, como hoje), só chegou ao poder em 61 - quando capturou Janio Quadros e pensou que governaria com ele. Janio tinha outros planos. Numa noite de agosto, tomou um porre maior do que o habitual, e renunciou.O poder voltou ao eixo PSD-PTB com Jango (lembremos que o eleitor, naquela época, podia votar no presidente de uma chapa, e no vice de outra; na eleição, Jango não era vice de Janio, mas teve mais votos, e virou o vice-presidente eleito).Pois bem. Parte do sucesso do golpe de 64, como resume bem o Fernando Trindade, explica-se pelo fato de a UDN ter conseguido atrair parte do PSD para o barco do golpismo.Avancemos 30, 40 anos na história...No período recente, pós-ditadura, a neo-UDN mostrou-se mais competente nas alianças. A UDN (PSDB-PFL) conseguiu atrair o PSD (PMDB) para o governo FHC. O PTB (PT e as esquerdas) ficou isolado.Em 2002, o PTB (PT e as esquerdas) atraíram o PSD (PMDB e outros pequenos partidos centristas). Foi o que garantiu a vitória e o suporte ao governo Lula. As vestais da ultra-esquerda não tinham entendido isso ainda?Pois bem: toda a estratégia serrista agora consiste em quebrar essa aliança. Por isso o "escândalo Sarney". Por isso vale pancada na Petrobrás (a nova UDN, como a antiga, não gosta muito do Brasil; avha "nacionalismo" um troço meio antiquado).Sarney, no pré-64, era UDN. Hoje, está no neo-PSD (PMDB).Serra, que no pré-64 estava mais próximo do PTB, hoje comanda a neo-UDN.Lula sabe que precisa da velha dobradinha PTB-PSD pra ganhar em 2010. À nova UDN restará bater às portas da mídia, como os corvos de Carlos Lacerda no pré-64 batiam às portas dos quartéis.Hoje, a quartelada pode vir da imprensa! É ali que a UDN tucana tem força.Lula e o PT precisam se livrar dos restos de UDN que ainda se prendem ao partido.O PT precisa terminar sua transição, assumindo-se como um partido social-democrata à brasileira. Ou seja: o PT precisa assumir que é um PTB getulista, renovado.Alguns, na extrema-esquerda, não gostam disso.Eu não me importo. Primeiro, por razões pessoais: sempre fui um brizolista/trabalhista - "obrigado" a votar no PT por morar em São Paulo. Segundo, por razões políticas: olho a correlação de forças e não vejo outra saída no Brasil.Outros, com estômago frágil, sentem-se enjoados por ver o PT perto de Sarney. O Brasil exige estômago forte!Até porque a UDN - como sempre - está babando de raiva.Se o PSD correr pro lado deles, o PTB será esmagado.Se estiverem juntos (e ainda mais com a economia crescendo), PTB e PSD serão imbatíveis em 2010, como sempre!JK e Vargas sabiam disso. Lula também sabe.---* evidentemente que, do ponto de vista histórico - e historigráfico - não faz sentido dizer que UDN, PSD e PTB são os únicos partidos do Brasil. Trata-se de "licença jornalística". Simples exercício interpretativo, baseado em nossa história recente.
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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Vlipifri febres ou febre taurede

Com estetoscópio rosa e azul decorado com adesivos de papel em forma de coraçõezinhos e ambulâncias, touca e colete escritos “enfermeira”, a médica começa a examinar-me.
- Que que foi, moço?
- Estou com dor de cabeça, Ana.
- Ana, não! Doutora, tio.
- ... uma dor de cabeça, doutora. Eu acho que é porque comi muito “pasta aglio olio” – quis falar difícil para impressionar a doutorinha de quatro anos de idade.
- Deixa eu ver...
Ouve o meu coração, meus pulmões e minha testa com o estetoscópio. Coloca um termômetro clínico verde em entre os elos da pulseira do meu relógio e depois entre os dedos do meu pé, me dizendo para eu só tirar quando ouvisse trim-trim. Enquanto aguardo o sinal sonoro, a jovem doutora belisca os dedos de meu outro pé com um instrumento médico feito em plástico vermelho que imagino ser um fórceps miniatura ou uma tenaz para pegar instrumentos quentes, recém esterilizados.
- Trim-trim..., diz a doutora com boca de ventriloco.
- Aqui está doutora – digo devolvendo o termômetro.
- Quarenta e nove sete. Você vai ter de tomar uma injeção muito doída, viu? Mas não vai doer nada, é só uma formiguinha.
Como assim, injeção doída que não dói? Tenho medo de agulhas, não tenho vergonha de admitir. E mais: qual o diagnóstico? Perco a timidez, venço o medo da autoridade que todo jaleco branco impõe e pergunto:
- Mas o que é que eu tenho, doutora? Não é só vir aplicando injeção assim, não! – protesto indignado.
- Você está doente e tem de tomar injeção.
- Doente eu sei: comi muito, estou com dor de barriga e vim aqui – tento ganhar tempo diante de uma rombuda agulha de plástico: – Eu quero saber, doutora, qual a minha doença, o nome do mal que me aflige.
- Viplifri febres – diz a médica com as mãos na cintura, como olhos de censura por minha impertinência diante de todos os símbolos do poder de curar que trazia dependurados em si.
- O que mesmo, doutora? – retruquei, já que não tenho medo de cara feia (pelo menos quando de autoria de minha sobrinha de quatro anos).
- Vripifré... Vipifi... Vi... É febre taurede, fe-bre-tau-re-de. Entendeu? Não vou falar de novo, viu: febre tau-re-de. Agora espera que eu vou lavar a injeção.
Lavar a injeção que o cachorro acabara de lamber e aplicar em mim? De jeito nenhum!
- Doutora, mas o que essa doença faz com a gente?
- É... dor no dedo – responde hesitante sem me olhar nos olhos, mas com voz irritada diante de tanta perguntação.
Não posso aceitar, trata-se, certamente, de uma charlatã. Aposto que nunca ouviu falar em Hipócrates ou penicilina. Não! Tenho o direito de resistir a essa agulha rombuda, não vazada e da espessura de um palito de fósforos. Não pense ela que vai me embrulhar com esse nome difícil para uma tal febre. Onde já se viu, come-se macarrão e tem-se uma febre que dá dor no dedo? E ela ali, lavando a seringa com água de mentirinha, fazendo xiiiiii com a boca.
- Doutora, está errado! O que tem haver comer muito e ter febre que dá dor no dedo? Eu acho que não precisa de injeção, não. Não é só...
- Não é só, nada! Ninguém mandou você comer pasta! Pasta é para colocar na escova e escovar dentes. Vai ter de tomar injeção, sim!
Segurando a seringa vermelha de agulha amarela, agarra o meu braço e manda ver.
- Ai, não precisa apertar tanto Ana, vai machucar o titio. Ai, ai!... assim você quebra o seu brinquedo...
- Ana, não, titio: doutora! E dói só em desobediente, que não sabe tomar injeção – diz com cara de brava, desentortando a agulha amarela, nem se dando conta da marca que deixou no meu braço, mas logo abrindo um sorriso, quase gargalhando, ao chamar a próxima cliente a deitar-se no tapete da sala: - Vó, agora é sua vez.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Sobre votos e parlamentos




A tal crise do Senado desperta em mim uma questão que há muito discuto nas mesas de botequim: qual o valor de um parlamento, da democracia representativa? Essa questão é atual e universal, vez que não é só o Brasil, hoje, que enfrenta problemas com o Legislativo: na Inglaterra há um sério problema com a moralidade dos membros do parlamento, tendo sido aprovado recentemente leis para punir parlamentares que faltarem com respeito ao zelo com a coisa pública; o presidente norte-americano resiste a instaurar investigações envolvendo o seu antecessor, J . W. Bush, pois teme dificuldades em aprovar seu pacote de medidas e reformas; o primeiro ministro italiano, esse é uma piada (de mau gosto). Esses, contudo, são só exemplos, para puxar assunto, não pretendo dar pitaco na política internacional. A que interessa (pelo menos a mim).

Em tese, cada cidadão teria uma partícula de poder que, por meio do voto, seria canalizado a seus representantes nos cargos eletivos. Imaginemos um mundo perfeito: todos os candidatos falam a verdade, são coerentes com seus discursos; toda a população entende com perfeição o que é dito pelos primeiros, não sendo influenciada pela quantidade de dinheiro lançada na campanha, pelo tempo de exposição na mídia, pela compra de votos e por aí vai. Enfim, tudo nos conformes. Ainda assim, é provável, que só uma minúscula parcela da população encontrasse aquele candidato que representasse com exatidão os seus anseios. Após eleitos, contudo, esses candidatos ideais – que já trazem certa dissonância com seus eleitores – não vão simplesmente fazer leis de acordo com seu discurso, mas sim digladiar com outros tantos, de sorte que seus valores e propostas, que justificaram o voto que lhe deram, serão processados, peneirados, cozidos, recosidos e guardarão lá alguma característica daquilo que o parlamentar propôs em campanha; talvez só um cheiro, quase nenhuma substância daquilo que o eleitor escolheu, que já era diferente, como vimos, daquilo que ele realmente queria. Enfim, a democracia representativa, funcionando bem, deixa a desejar e gera, talvez, uma grande legião de insatisfeitos.
Não estamos, todavia, no melhor dos mundos (nem nós, nem ninguém). Se um sistema representativo em tese perfeito gera um resultado fora do esperado. Se as câmaras ideais são câmeras com lentes desfocadas que geram um retrato baço e por vezes irreconhecível, imagine as de fato. Ora, sabemos que os candidatos apresentam um discurso genérico e demagógico, que há ruídos na comunicação, que o poder econômico influi diretamente no resultado de uma campanha eleitoral, que é o publicitário e não as propostas que angariam o maior número de votos, que os interesses defendidos em plenário são, na maioria das vezes, não o dos eleitores, mas de grupos financiadores de campanhas...
Sabemos mais: que as discuções relativas a questões da política financeira, da distribuição de recursos atendem a critérios políticos, que quem governa realmente são os tecnocratas que não receberam o voto de ninguém, que as discuções travadas pelo legislativo, em boa parte das vezes, não são compreensíveis para o homem médio brasileiro.
Enfim, o que esperar de um sistema desses?
Não é preciso esperar nada, o resultado está ai: nepotismo (direto e cruzado), verborragia collorida, passagens para chegados, funcionários em balneários europeus, chantagens, lobby, imoralidade... Os jornais, diariamente, vêm trazendo cartas de inúmeros leitores questionando a necessidade de um senado e desejando sua extinção. Essa talvez seja a grande vontade de todo o povo que bem ou mal tenha se informado sobre o que se passa nas duas grandes fábricas de leis, negociatas e moções. Será que Morales, Castro, Chaves são realmente os grandes vilões da democracia? Não precisa responder, mas, pelo menos, pare para pensar. Aliás o que é democracia? Direito de votar ou direito de participar e ter acesso ao seu justo naco do todo?

quarta-feira, 29 de julho de 2009


Está na Bíblia: Jacó lutou com Deus durante toda uma noite, o venceu e mudou de nome: "Você já não se chamará Jacó, mas Israel, porque você lutou com Deus e com homens, e você venceu". Gên. 32,19, confere? Mas que Deus é esse que foi submetido pelo homem, abençoando-o à força, debaixo de um mata-leão ou chave de braço ("Não o soltarei enquanto não me abençoar" - Gên. 32, 27)?

Para melhor responder essa pergunta, creio que devemos ler, pelo menos, o capítulo 27 do livro Gêneses e só então ler o 32. Um resuminho, porém, talvez supra essa necessidade. Bem, Jacó, caçula, passou o irmão no fundo da agulha, roubou-lhe a bençãos que Abraão devia dar ao primogênito, Esaú. Após isso, fugindo da ira do irmão, saiu das cercanias onde nascera, indo parar nas terras de Labão, onde casou-se com Lia e Raquel, além de enricar por aqueles lados de lá, orientais, essas coisas... mas teve de voltar, por conta de umas confusões, para as terras de seu falecido pai, então pertencentes ao irmão garfado. Durante essa vinda, Jacó teve medo ou teve culpa, ou ambos: reencontrar o irmão que queria trucidá-lo, reencontrar seu pecado... Mandou presentes ao irmão e foi dormir. Nessa noite, lutou com Deus.

Não me resta outra conclusão: o Deus de Jacó é o Deus da culpa e do medo. Jacó lutou com seus medo e culpa durante toda a noite vencendo-os antes da chegada da aurora. Jacó, contudo, foi um mal vencedor. Poderia ter estrangulado seu inimigo, cortado-lhe o pescoço, enfim, livrado-se de um ser que, por ser maior e mais forte, faz questão de cercear a liberdade daqueles que o reconhecem. Mas não, Jacó pediu-Lhe a benção. Pediu Àquilo que ele vencera que o acompanhasse, a si e a seus filhos, e o transformasse numa grande nação: nação da culpa e do medo, que escolheu ser vítima de castigos por desobediências ao submeter-se ao Deus que havia derrotado.


Jacó poderia ter andado por si só, sem pedir arrego a Ninguém, mas preferiu aceitar o título de Israel. Escravidão ou domínio do Egito, assírios, Babilônia, Pérsia, gregos, Roma... Tudo, porque Deus estava infeliz pelo descumprimento de um contrato. Jacó acovardou-se, não acorrentou e enterrou Javé, como fez Zeus a Cronos, que trouxe vida e banquetes a seus irmãos, filhos e mulheres.

O Deus judeu, tal qual Cronos ou um pecuarista, oprime e devora aos poucos os seus filhos, o seu rebanho, que, por sua vez, não se rebela. “Ah, mas Ele nos criou e amou tanto que nos fez à sua imagem e semelhança?” Ora, ora: criou por quê? Talvez por que não se bastava e sua solidão fosse terrivelmente enfadonha, ou por que queria se mostrar: "Viu, Eu fiz tudo, Eu sou o Cara!". Um Deus que, para matar o tempo, criou uma enorme paciência para si, chamada universo. E que amor é esse? Sujeitar, exigir reconhecimento e rapa-pés, impingir castigos, matar de fome, de ferro e pestes. Não sei, não, mas o que podemos de fazer de melhor por esse Deus é não acreditarmos nele, mesmo porque se é que houve um contrato, foi há muito e Jacó quem o aceitou.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Vende-se uma lapiseira.

Lápis, porque não lapiseira? Foi o que me perguntou uma amiga ao me ver estudando e rabiscando nas margens do livro com o antiquado objeto enquanto, num porta canetas, uma lapiseira novinha, bonita, anatômica, descansava.

O lápis, por conta da pintura que recebe, é escorregadio, além de duro ao tato dos dedos. Quando vai ficando pequenininho, após sucessivas sessões de apontamento, fica ainda mais desconfortável de segurar. Tem mais, a ponta quebra, engrossa e ai temos de parar e aparar. A lapiseira, não: ponta uniforme, mina cirúrgica, gastou ou quebrou, basta um ou dois cliques na parte superior e pronto! Sem perdas de tempo, sem maior envolvimento com o instrumento de trabalho, altamente profissional. Além disso, o conforto de um corpo emborrachado, agradável entre os dedos, dotada de frisos antiderrapantes, para maior firmeza na escrita.

Pode ser impressão minha, mas o lápis me dá a ideia de envolvimento com o que estou fazendo, de maior pessoalidade. Um lápis muda com o progresso de quem usa (a curto, médio e longo prazo), já a lapiseira é sempre a mesma.

Se as anotações à lápis forem rápidas, aquela ponta fininha que você fez, ao cabo de não mais que duas ou três linhas, já está mudada, suas arestas já estão arredondadas e se quiser manter o padrão da letra, vai ter de girá-lo entre os dedos, buscar aquela protuberanciazinha que ainda não sofreu os efeitos abrasivos do papel ou, então, rabisca-se num papel para rascunho ou na mesa, mesmo, até fazer com que o lápis e você entre num consenso. Interage-se, dialoga-se com o lápis, influímos ou deixamo-nos influir pelo lápis.

O roteiro de estudos e anotações é longo? Mais visível é a interação. A ponta gasta à exaustão ou se quebra, aponta-se: canivete, estilete, faca de cozinha e até apontadores. E essa ordem é importante. Não é todo mundo que tem um canivete, mas quem tem cria um certo apreço pelo objeto, convive com ele (assim como convive com o lápis) sabe suas manias e domina a precisão de seu corte, amola-o pessoalmente, e ao usá-lo para apontar o lápis põe mais de si na operação, torna-se mais íntimo do lápis. Apontar com um estilete é um pouco diferente, ninguém anda com um estilete no bolso, o amola ou cuida para que ele dure dez, vinte anos, o estilete já vem pronto para usar e há pouco ou nada a fazer para que ele se pareça conosco e se ficou cego, simplemente joga-se fora, entretanto, assim como se dá com o canivete, com o estilete dá para se dosar a força da mão sobre a madeira para buscar, artezanalmente, a ponta perfeita, ou melhor, a ponta mais próxima daquilo que cada um tem por ponta de lapis ideal. Faca de cozinha (quanto maior pior) já é brutalidade, não há como dominar a pressão da lâmina sobre o lápis e você arrancará pedaços no coitado e a relação irá para o ódio e incompreensão, mas pelo menos houve uma relação. Apontador é querer fazer o lápis virar lapiseira: põe o cara ali e roda até sair uma ponta padrão, igual a mil outras pontas.

Bem, mas ao final do estudo (ainda que se use faca e apontadores), o lápis, assim como você, está diferente, uma ou outra mordida, a camada de tinta nuns pontos desbotada pelo suor, noutros descascada por um ou outro tombo. Está menor? Creio que não, transformou-se. Tornou-se aquilo que você escreveu e parte de você, aquilo que você apreendeu. Tenho ansensação que a diminuição de um lápis por mim usado é diretamente proporcional ao meu crescimento, que cada lápis que usei me foi entrando pelos dedos a dentro e hoje faz parte de mim.

sábado, 25 de julho de 2009

Entusiasta da própria competência.

Henrique Bernardes, nomeado por indicação de Sarney a um cargo no Senado por ser namorado de sua neta, disse que não tem do que se envergonhar, vez que considera-se competente para a função que desempenha, cumprindo seus compromissos junto à casa, sendo um privilégio para o Senado ter um funcionário como ele. Isso eu li n"O Globo".

Como toda e qualquer função, a exercida por Henrique é importante: responsável por atender telefone, recepcionar pessoas e emitir recibos. Secretária é a profissão de minha amiga Sônia, de Viçosa, que não é formada em física pela UNB, nem tem pós-graduação em contabilidade e economia (aliás, só tem o ensino médio), mas faz muitíssimo bem e com extremo desvelo esse serviço, prestado há cerca de 10 anos no mais confiável escritório de advocacia que conheço, ganhado com isso quinhentos e poucos reais mês.

Ora, o rapaz não foi contratado por ser competente, mas sim por uma indicação do conquistador do Amapá. O menino se esquece que a Constituição Federal prevê princípios como moralidade e impessoalidade, além de acesso aos cargos públicos via concurso, salvo algumas justificáveis exceções.

Ainda, contudo, que seja o namorado ou ex-namorado da neta de Sarney realmente competente como insinua ser, a competência não é tudo para validar a ocupação de um cargo público: há trâmites legais a serem observados para que os princípios da administração pública (inclusive o da publicidade) sejam atendidos, valendo frisar que competência é obrigação de todo e qualquer pessoa que se disponha a realizar uma função, quer na iniciativa privada, quer no setor público, não sendo motivos para jactâncias e justificativas para nomeações nepostistas, por atos administrativos secretos e/ou imorais.

Mas vamos na pilha: Em que seria competente o Henrique? a) em física? b) em contabilidade ou economia? c) como namorado de neta de senador? d) Como secretária?
Não é pesquisador do CNPQ em dá aulas em faculdades de física. Não exerce qualquer função ligada a formação de pós-graduado. Segundo li nos jornais não é mais namorado, mas ex. Como secretária (com salário de R$2.700,oo) foi elogiado pelo seu chefe.